AQUÉM E ALÉM DO RIO ICONHA
Folha da Manhã,
Campos dos Goytacazes, 09 de fevereiro de 2020
Aquém e além do
rio Iconha
Arthur Soffiati
Assim que o
príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwid deixou o rio Itapemirim,
em 1815, ele apenas registrou em seu diário um trecho com pântanos e uma bela
floresta. Encantou-se com ela e com as aves. Anotou a presença de grande
quantidade de cansanção, planta urticante que maltratou os pés daqueles que
andavam descalços (eram os pobres). Logo chegou à fazenda do Agá, perto de
Piúma. Já Auguste de Saint-Hilaire, que passou pelo mesmo lugar em 1818, é mais
detalhado. Ele escreveu que, ao deixar o rio Itapemirim, não encontrou nenhuma
planta digna de registro (estranho não ter notado o cansanção), nenhum inseto,
nenhuma casa, nenhuma pessoa, até Taopaba. Ali, havia uma choupana.
Essa choupana
solitária no distante ano de 1818 parece ser a origem de Itaipava e de Itaoca,
dois núcleos urbanos tão ligados que formam um só. Nenhum dos dois naturalistas
registrou riachos, pois rios não existem até o Iconha. Saint-Hilaire diz que, quando
por lá passou, não encontrou água doce.
Como eco-historiador,
fiz o trajeto dos dois e encontrei o córrego de Itaoca, degradado pela
urbanização. Ele foi transformado numa vala de esgoto a céu aberto. Aliás,
podem ter existido outros córregos transformados em escoadouros de esgoto ou
mesmo sistema de condução de esgoto para o mar que pode ser confundido com um
córrego. O de Itaoca está completamente eutrofizado. Sua foz foi manilhada até o
início da praia.
Descarga de
esgoto em Itaoca (ES) pelo antigo rio Itaoca
Mais ao norte
da conurbação Itaoca-Itaipava, um córrego corre de forma intermitente, ao que
tudo indica. Ninguém soube me informar o nome dele, o que se tornou muito comum
na nossa cultura. Entre os povos indígenas, todos os acidentes geográficos são
nomeados. Conosco, se não servem mais, são esquecidos. Embora sua vazão seja
diminuta, parece que ele mantém sua barra sempre aberta. A estrada asfaltada
passa sobre ele.
Córrego de nome
ignorado entre Itaipava e Piúma (ES)
Daí em diante,
só encontrei a foz do rio Iconha. Antes dela, o canal de Itaputanga, que foi
rasgado num ponto em que o rio se aproxima do mar. Lembrei da vala do Furado,
uma sangria do rio Iguaçu aberta em 1688 no norte fluminense. Tudo indica que o
canal de Itaputanga foi aberto para auxiliar o escoamento das águas do Iconha
em caso de cheias perigosas à população e à economia. Além do mais, ele
propicia água para abastecimento público. Assim, a foz do Iconha foi
transformada num delta antrópico com dois braços bastante afastados.
Aspecto do
canal de Itaputanga, sangria no rio Iconha em Piúma. Urbanização e lançamento
de esgoto
No
trecho final do Iconha, há marcas visíveis de canalização em grande extensão do
seu leito. Provavelmente obra do Departamento Nacional de Obras e Saneamento.
Um canal longo liga o rio Itapemirim ao rio Iconha. É o canal do Pinto. O
manguezal só se arraigou efetivamente no braço principal do rio Iconha, formando
um bosque expressivo, mas descontínuo. No canal de Itaputanga, as plantas de
mangue são poucas, embora haja condições necessárias para sua propagação.
Aspecto do
manguezal do rio Iconha - Piuma
Piúma é uma
cidade em grande parte voltada para o turismo. Sua população aumenta durante o
verão e se retrai no inverso. Deve-se considerar que muitas pessoas se encantam
pela cidade e nela fixam residência. Sua malha urbana adensou-se e alcançou a
margem direita do rio, suprimindo considerável área do manguezal. Cabe registrar
que até mesmo as sedes do Poder Judiciário Estadual e do Ministério Público
Estadual foram erguidas em área de manguezal, considerado de preservação permanente
pelo Código Florestal.
Fórum de Piúma
construído em área de manguezal
Prédio do Ministério
Público Estadual construído em área de manguezal
No caso, os
dois prédios erguem-se na margem do rio Iconha e em parte do manguezal, ambas
as áreas protegidas por lei. É bem verdade que, em se tratando de obras de
utilidade pública e de caráter social, empreendimentos podem ser autorizados em
Áreas de Preservação Permanente (APPs). Deve-se, todavia, sempre buscar
alternativas para evitar a invasão dessas áreas, sobretudo em se tratando de
instituições que devem zelar pelo cumprimento das leis. Na margem esquerda, a
urbanização começa a fincar pé, sendo o terminal rodoviário da cidade o exemplo
mais contundente. Às margens do canal de Itaputanga, já se erguem edificações
que indicam o processo desordenado de expansão urbana. Acompanham-no o esgoto e
o lixo.
Terminal
rodoviário de Piúma construído em área de manguezal
Mais de
duzentos anos depois, acompanho os dois naturalistas europeus, que partem de
Piúma rumo ao rio Benevente. Maximiliano de Wied-Neuwied registrou campos
cobertos de cana brava ou ubá. Ele atravessou também “um cerrado de árvores
imponentes e frondosas, tais como ‘Cecropia’, ‘Cocos’, ‘Melastoma’; entre elas
corre o escuro riacho Iriri, atravessado por uma pitoresca ponte feita de
troncos.”
Depois de sair
de Piúma, Saint-Hilaire pouco escreve. Mas registra uma ponte de madeira antes
de chegar a Benevente. Deve ser a mesma ponte atravessada por Maximiliano. Atualmente,
existe um balneário muito concorrido cujo nome é Iriri, que se ergueu junto à
lagoa da Conceição. Ela não é uma verdadeira lagoa, pois se estende, em parte,
por um terreno íngreme, em parte, por um terreno plano. Ela tem todas as
características de um córrego com a foz barrada e consolidada, mas que, com
volumosas chuvas, pode abrir. Quando franqueada, ou a água do curso verte para
o mar ou a maré invade o sistema. Assim, formou-se um pequeno manguezal na
parte baixa da chamada lagoa. A declividade do leito e as margens íngremes não
disponibilizam área para o enraizamento de um bosque extenso.
Antigo rio
Iriri, hoje lagoa da Conceição. Manguezal tendo ao fundo avanço da área urbana
Iriri
é uma praia muito procurada por turistas. Assim, a urbanização cresce
vertiginosamente, encurralando o córrego alagoado. Também é considerável a
carga de efluentes líquidos e de despejos sólidos em suas águas. Os dois
naturalistas não dão notícia de qualquer habitação. O núcleo urbano de Iriri
deve ser posterior a passagem de ambos.
Antes mesmo de começar a me enveredar pela gestão dos recursos hidricos essas questões sempre me encararam e chamaram a atenção, já dava p ter uma boa ideia de sua importância. Hoje, com mais informações, continuo encantado, porém, mto decepcionado com essa triste realidade de nossas águas doces e salinas. Se alguma coisa é feita nesse sentido ou é de forma ineficaz, inadequada, sem planejamento, entre outras lacunas. Pena n divulgarem massivamente a importância da água, inclusive sua preservação e conservação, em nosso dia dia assim p toddos ecossistemas, infelizmente o interesse vem em primeiro lugar, acredito q esse panorama só tendera a mudar quando já estivermos numa fase crítica, p não dizer caótica.
ResponderExcluirDe acordo, Rubens
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