A BRUXA VELHA E A BRUXA NOVA
Blog Complexus, 26 de fevereiro de 2020
(DOIS MATEUSINHOS)
Maria e João: o conto das bruxas
A bruxa velha e a bruxa nova
Edgar Vianna de Andrade
No
conto popular “João e Maria”, adaptado literariamente pelos irmãos Grimm, há
fortes elementos para interpretação e para diversos entendimentos. Ele tem tudo
para se transformar numa boa história de terror. Um casal muito pobre tem uma
filha e um filho pequenos. A mulher não é a mãe verdadeira e sim a madrasta. O
conto já começa a ser suavizado porque mãe morre pelos filhos, mas não os mata.
Já as madrastas geralmente são más. Que se veja Cinderela e Branca de Neve. O
pai se torna dócil diante da mulher e faz o que ela manda. Do outro lado do
território, existe uma escura floresta habitada por entidades malignas.
Notadamente, uma bruxa que engorda criancinhas para comê-las. O truque das
crianças para localizar o caminho de volta é desfeito pelos passarinhos.
A
partir do enredo básico, pode-se criar variantes. João e Maria já foram
transformados em caçadores de bruxas, ganhando dois filmes. Agora, ganha mais
um. Maria vem primeiro que João, pois a intenção é mostrar o empoderamento
feminino. A bruxa se tornou o símbolo da mulher poderosa no ocidente e em
outras civilizações pela sua capacidade de dominar o homem, principalmente. Daí
merecer a morte na fogueira. O cineasta dinamarquês Benjamin Christensen dirigiu o
famoso “Häxan - a feitiçaria através dos tempos” documentário
de 1922 sobre a bruxaria, usando Freud para explicar o fenômeno como histeria.
A nova interpretação mostra a bruxa como mulher forte.
Que se veja o excelente “A bruxa”, mais documentário que drama de terror. No
caso em análise, parece que o diretor Osgood Perkins II foi meio confuso na
condução de “Maria e João: o conto das bruxas”. A pobreza do
casal se insere numa fome social, muito comum no contexto da história de João e
Maria. A madrasta é a própria mãe. Uma menina bonita nasce, mas padece de uma
moléstia mortal. Uma feiticeira a salva, mas a destina à bruxaria. Ela começa
logo levando o pai ao suicídio.
Há
um corte confuso no roteiro. Aparecem Maria ou Gretel (Sophia Lellis num bom
desempenho), já adolescente, e João ou Hansel (Samuel Leakey), ainda menino.
Depois de tentar emprego na casa de um potentado do local, Maria recusa a
oferta humilhante de ser cortesã. A mãe expulsa os irmãos. Ambos saem a esmo
pela floresta e encontram uma casa aparentemente abandonada. Habita-a um ogro,
que deseja devorá-los. Mas um homem negro aparece do nada e mata o ogro,
aconselhando os irmãos e procurarem os habitantes da floresta. Parece um
detalhe desnecessário.
Na
busca, os irmãos encontram a casa da bruxa (Alice Krige) devoradora de
crianças. Comendo carne humana jovem, ela consegue rejuvenescer-se. Jessica De
Gouw faz o papel da bruxa jovem, que só se interessa pela carne de João. Seus
planos para Maria são outros. Ela deseja desenvolver os poderes de feiticeira
na jovem, mas esta não abandona seus princípios éticos e mata a bruxa com uma
facilidade inesperada. Fogo, castigo, vitória do bem sobre o mal, Amazonas etc.
Uma
crítica sobre o filme entendeu que ele tem uma fotografia arrebatadora e um
ritmo contemplativo, no nível do terror psicológico de Roman Polanski. Sem
dúvida, o tom do filme é feminista, com uma mulher nova matado uma mulher
velha. Mas nada lembra Polanski. Eu diria mesmo que o cinema poderia passar sem
esse filme tão tíbio. Mas os Estados Unidos desperdiçam milhões de dólares em
filmes tíbios.

Comentários
Postar um comentário