MEU PÉ, MEU POBRE PÉ
Meu pé, meu pobre pé Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre Em nosso espírito sofrer pedras e setas Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, Ou insurgir-nos contra um mar de provocações E em luta pôr-lhes fim? Morrer… dormir: não mais. Dizer que rematamos com um sono a angústia E as mil pelejas naturais-herança do homem: Morrer para dormir… é uma consumação Que bem merece e desejamos com fervor. Dormir… Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo: Pois quando livres do tumulto da existência, No repouso da morte o sonho que tenhamos Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios. Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo, O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso, Toda a lancinação do mal-prezado amor, A insolência oficial, as dilações da lei, Os doestos que dos nulos têm de suportar O mérito paciente, quem o sofreria, Quando alcançasse a mais perfeita quitação Com a ponta de um punhal?